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Amanita muscaria

Impressões de um Boticário de Província

Desde 2003


segunda-feira, 28 de julho de 2003


Amanhã, faço quarenta anos. Que tragédia! É o fim!
Não é verdade, não estou muito angustiado. O que me custou foi fazer trinta, agora tanto faz completar 33 ou 59 ou 85. A decadência física começa pelos 25, a fronteira da idade jovem para a idade adulta é aos 30, esta é a grande barreira. Mas não gosto de aniversários, nunca gostei, mesmo na adolescência. Há quem contabilize mais um ano de vida e quem contabilize menos um; eu pertenço ao segundo grupo. Não que a ideia do fim me atemorize especialmente, encaro a morte com uma certa naturalidade. E espero passar a barreira dos 100, ainda falta muito, a esperança de vida é cada vez maior e os avanços tecnológicos são incríveis.
Enfim, é mais uma data, espero que o champagne esteja frio...

Peliteiro,   às  23:51
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No Sábado à noite fui à tourada. Chovia que Deus a dava; nunca vi uma tourada com tanta chuva. Foi um espectáculo diferente, o piso escorregadio aumentou o risco de acidentes e, consequentemente, a emoção, embora as prestações fossem, naturalmente, prejudicadas.
As gentes do Norte não são das mais aficcionadas, a tourada é da lezíria, do Ribatejo, dos grandes espaços. Mas Espinho e Póvoa são praças com alguma tradição; a prova é que mesmo com condições metereológicas adversas, muito adversas, a praça poveira esteve cheia até ao fim.
Gostei da tourada. No entanto a minha perspectiva em relação à lide dos touros é ambígua.
Gosto da festa, do espectáculo, da cor, da música, do ambiente, dos trajes, do cerimonial. Admiro a força, a coragem e valentia dos toureiros, sofro com as pegas. E agrada-me a ligação à terra e ao mundo rural, à tradição nacional, e às raízes ancestrais ibéricas onde o touro sempre desempenhou um papel carregado de simbolismo.
Contudo, digam o que disserem, a luta é desigual, o animal tem as suas oportunidades, mas quando entra na arena as suas possibilidades são diminutas. E tenho a tendência de defender e preferir os mais fracos. O touro é cravejado de ferros no cachaço e sangra e sofre. E diz-se que antes da corrida o espicaçam selvaticamente para o enfurecer; e que no fim agoniza um ou mais dias antes de ser abatido.
Bem sei que o homem é cruel, em relação aos outros animais e aos seus semelhantes, seja em Portugal ou na Libéria, e em cada tourada são sacrificados apenas quatro ou cinco criaturas.
Não será possível fazer uma tourada menos sanguinolenta e crua, talvez, sei lá, eliminando as farpas em metal?

Peliteiro,   às  00:58
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sábado, 26 de julho de 2003

As vistas da minha reforma 

Póvoa de Varzim; varanda



Vilarinho de Perdizes; Gerês

Peliteiro,   às  00:41
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A romaria do Senhor dos Aflitos realiza-se no dia 25 de Julho, dia de S. Tiago, padroeiro da aldeia em que nasci, S.Tiago da Cruz. Já foi uma grande romaria Minhota. O seu ex libris era o “arco”, o maior arco festivo do país, aí com uns 50 metros, feito com troncos de árvores, pregados em linha, e ricamente enfeitado e iluminado. Era levantado, ao longo da noite da véspera, a força de braços pelos mancebos lá da aldeia ( eu nunca me atrevi! ), numa demonstração de pujança e bravura. No fim atiravam-se foguetes, assavam-se uns cabritos, bebiam-se umas litradas de verde tinto, corria-se atrás da vaca-de-fogo e depois andava-se na pancadaria. No dia 25 era a procissão das Virgens, que cantavam nuns agudos estridentes, acompanhadas por umas bandas que tocavam umas músicas ensurdecedoras. Os lavradores e caseiros de terras apresentavam-se com os seus fatos domingueiros, impecavelmente brunidos, e com camisas branquíssimas, coradas pelo sol e pelo luar. Vinha gente de todo o lado, era uma típica festa rural minhota.
Hoje estive lá, e a “festa” é apenas uma sombra do que já foi. A aldeia deixou de ser rural, - também não é urbana - e está descaracterizada, atípica. Dantes as pessoas emigravam e regressavam, porque aquela era a sua terra e as suas gentes, com traços únicos e insubstituíveis. Hoje aquela terra é igual a tantas outras, no Algarve ou na Estremadura, e as pessoas não voltam mais. A “festa” é igual a tantas outras, com os mesmas barracas de farturas, discos piratas e bancas chinesas.
Mas nem tudo é negativo, temos que ver o lado positivo das coisas. Mesmo que o Miguel Sousa Tavares diga que Portugal está pior que há cem anos atrás. Lembro-me da época doirada dos emigrantes, que vinham da França, da Alemanha, do Canadá, Venezuela, e de todos os cantos do mundo. Era uma diferença abismal. Eles apareciam montados nas suas grandes “machines”, esbanjavam dinheiro, contavam coisas inacreditáveis: estradas com quatro vias, televisões nos quartos, férias na neve, divórcios, viagens de avião, museus e universidades, carros descapotáveis e outras coisas que nós, pobres Portugueses, só veríamos anos mais tarde na série televisiva “Dallas”.
Uma vez um grupo de filhos de emigrantes roubaram-nos umas potenciais namoradas, que já andavamos a catrapiscar há meses, à custa de rios de moedas de vinte e cinco tostões gastos nos carrinhos de choque. Hoje, a luta seria mais equilibrada, nem eles teriam tantas moedas nem nós teríamos tão poucas.

Peliteiro,   às  00:06
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quarta-feira, 23 de julho de 2003

“ A fogueira das vaidades ” de Tom Wolfe conta a história de um bem sucedido corretor, filho de um famoso advogado, casado com uma bela e inteligente mulher, que um dia ao entrar ocasionalmente num bairro degradado se vê projectado para um mundo que não é o dele, desconhecido e agreste, feito de personagens muito diferentes, em todos os aspectos, do protagonista.
Cada um de nós tem o seu mundo, a sua cidade. Cada um de nós tem as suas vivências, hábitos, gostos e atitudes. Há assim vários universos paralelos que muitas vezes se interpenetram em determinados espaços. Muitas vezes surgem atritos e conflitos entre os elementos desses sistemas.
Eu, - não sei se será bom ou mau, vantajoso ou desvantajoso, saudável ou doentio – tenho vindo a reduzir o espaço do meu universo e as probabilidades de contacto com outros universos paralelos.
Não é propositado ou premeditado; é uma tendência que constato. Nem é elitismo parolo ou sequer manias de ser melhor ou pior. Gosto cada vez mais de ficar no meu canto, com os meus livros, os meus jornais, os meus escritos, os meus filmes, as minhas trenguices e caturrices. E gosto de andar na rua sem que ninguém me incomode. E gosto do sossego da noite. Embora não goste do isolamento; adoro dar à lingua, só que o meu gregarismo se revela muito restrito: família, alguns amigos e colegas.
O mundo é violento, desonesto, mal educado e pouco solidário. Basta conduzir para o concluir.

Peliteiro,   às  00:30
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segunda-feira, 21 de julho de 2003

Ontem estive a apreciar a oferta de licenciaturas para o próximo ano lectivo e as respectivas médias de acesso.
Meu Deus, que falta de bom senso. Não é preciso ser um especialista em ensino para se concluir que a estrutura do nosso ensino superior não tem pés nem cabeça. Há licenciaturas para tudo, cursos inimagináveis, universidades que tresandam a negociata. Uma pouca vergonha. A maior parte das licenciaturas não serve para nada, não vale nada. Um absurdo completo.

Bem sei que nunca é demais a educação e formação. Mas o modelo que se pressente traz grandes prejuízos em três vertentes:
1. Aos alunos, pela frustração das expectivas. Deve ser terrível estudar durante quatro ou cinco anos e depois concluir que o esforço dispensado foi completamente inglório.
2. Ao Estado, que somos nós todos, que,
2.1. - patrocina formação inútil, desbaratando verbas em formação sem interesse e sem retorno para o país.
2.2. proporciona um adiamento infrutífero da entrada no mercado de trabalho dos jovens, com consequências na criação de riqueza do país e nas contribuições para a segurança social (depois dizem-nos que vamos ter que nos reformar mais tarde por causa da pirâmide invertida).

Dois exemplos, na área da saúde:
Os Cursos de Enfermagem e de técnicos de Farmácia são agora, todos, licenciaturas. Onde foram desencantar tantos professores? Serão ainda os antigos bachareis que dão formação a licenciados? A enfermeira do posto de saúde de Cascalheiros de Cima e a técnica de farmácia do Hospital de Freamunde precisam de ser licenciadas? Não seria preferível que a licenciatura fosse apenas para aqueles profissionais com necessidade de formação especializada e diferenciada?
E o curso de podologia, para que serve, o que é, o que fazem? Cinco anos a estudar o pé? Não podendo praticar actos cirúrgicos ou precrever medicamentos, o que fará um Dr. Podologista? E imagino as especializações: " ora bem, eu sou licenciado em podologia, com especialidade em dedos mindinhos! "

Peliteiro,   às  23:42
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sexta-feira, 18 de julho de 2003

Para este Sábado recomendo:

O 25º Festival Internacional de Musica da Póvoa de varzim, com o ENSEMBLE CAFÉ ZIMMERMANN, pelas 21:30. Depois, talvez, uma visita ao Pacha de Ofir, para a abertura de Verão e a festa da Caras.

Peliteiro,   às  23:51
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quarta-feira, 16 de julho de 2003

Lá pelo fim da década de oitenta, fazia eu, todos os dias pela manhã, a estrada Famalicão - Vila das Aves. Era uma estrada em paralelo, fraca, sem bermas e mal conservada. Uma estrada quase rural. Mas as viaturas que lá circulavam eram uma delícia; era ver os Mercedolas, os Bêemes, os Porchetas, e até alguns Rolls e Ferraris. Devagarinho, de vidros abertos, cotovelo fora da janela, para toda a gente ver quem lá ia a comandar a máquina. Era uma feira de vaidades matinal.
Era uma época doirada, sentia-se o cheiro do Rei Midas, qualquer encarregado de fiação ou fiel de armazém que soubesse assinar um cheque e conseguisse roubar um cliente ao seu patrão, se transformava rapidamente em empresário. E claro, a primeira coisa que fazia era comprar um carrão e mandar construir um palacete desenhado ao gosto da mulher (arghhhh). As empresas nasciam como cogumelos e os amanhãs que cantam eram hoje.

Já na altura eu comentava com a minha irmã, parceira de viagem, que havia ali qualquer coisa que não batia certo, que não tinha lógica. Ou a estrada era alcatroada, sinalizada e alargada ou os carros haveriam de desaparecer. O cenário repetia-se um pouco por todo o país.

Bom, agora vê-se que afinal aquela ostentação toda tinha alicerces de barro, não há telejornal que não mostre uma falência, não há jornal que não tenha diariamente aqueles anúncios de penhoras e de executados. Ao menor sinal de crise, à mínima constipação, o destino é fatal. Não há resistências, não há reservas. Assistimos à grande purga. Um fenómeno de selecção natural.
Infelizmente muitas famílias de trabalhadores foram aspiradas pelo grande turbilhão e muitos inocentes foram triturados. Entretanto, muitos desses destemidos empreendedores transformaram-se em vigaristas profissionais, evoluiram de patos bravos para milhafres predadores. Desabituaram-se de trabalhar e agora vivem de expedientes ( alguns transformaram-se em políticos, devia até haver cursos finaciados de reconversão profissional ).

Esta crise é útil, custa-nos a todos, mas é um ciclo que termina, é uma purificação. Aguardamos uma nova geração de empresários, gente que com valor para planificar, empreender e crescer, com consciência e responsabilidade social. Que viva a crise!

Peliteiro,   às  23:50
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Um dia quando estava aí pelo 3º ano da faculdade, depois de ter feito os cadeirões de análise química, químico física, química inorgânica, química orgânica, síntese, bioquímica e sei lá que mais, nas versões I, II, III, …, ( as cadeiras são como os filmes, tipo “Rocky IV” ou “A depravada CLV” ) vi um exame do 12º ano e pareceu-me ridiculamente fácil.
Agora, um destes dias, ao ler o jornal, procurei resolver esse mesmo exame, e o resultado foi desanimador. Tirava aí uns 0,3 valores! Já não me lembro de nada! Eu que já soube a tabela periódica de cor e salteado, agora já nem consigo resolver nas palavras cruzadas o símbolo químico do cobre.
Continuo a ter uma memória razoável de curto prazo, mas a de médio e longo prazo foi-se. Na velhice é o contrário, portanto não é por estar gágá de todo.
Bem sei que se pestanejasse os tratados químicos, os conhecimentos germinariam como rebentos de soja, atingindo a superfície com rapidez, num fenómeno de reminiscência. Ou se calhar não; talvez o conhecimento do passado esteja irremediávelmente enterrado e inutilizado.
E isto tudo para dizer o quê? Para dizer que a memória é um processo que me fascina, que não me parece que o estado do conhecimento actual explique minimamente a sua fisiologia ou mecanismo, e que tenho pensado nas formas ideais para adquirir e consolidar os saberes.
O que leva a divagar sobre os modelos do ensino superior. Eu sou dos que pensa que o ensino universitário deve ser essencialmente teórico. Fortemente teórico.
Os antigos preparatórios de engenharia são um modelo que me parece bom: 2 anos de teoria pura e dura aplicável a engenheiros civis, mecânicos, electrotécnicos, etc. Bem sei que isto tirava emprego a muitos profes e os cursos hoje fazem-se à imagem da disponibilidade destes em vez de se fazerem segundo o perfil das necessidades do mercado de trabalho. A prática aquire-se no trabalho, no estudo individual e nas pós-graduações e especializações.
Um dia destes pego neste tema e desenvolvo-o. Saiu-me agora ao correr da pena. Aguardo as Vossas prestimosas contribuições.
E muito bem, nada mais tendo a acrescentar por hoje, despeço-me com as mais cordiais saudações.


Peliteiro,   às  00:00
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segunda-feira, 14 de julho de 2003

Como estamos no Verão, aqui vai uma lista de medicamentos que podem induzir fotossensibilidade. Ou seja, os homens e mulheres feias que os utilizarem devem abster-se de ir à praia e às esplanadas; as mulheres bonitas devem continuar a ir à praia, usar bikinis reduzidos, decotes e mini-saias, mas devem deixar de os utilizar.
A lista inclui apenas fármacos bastante utilizados em Portugal e organiza-se assim: denominação / classificação terapêutica / algumas marcas comerciais.

Amiodarona; antiarrítmico; Cordarone, Miodrone.
Clorodiazepóxido; ansiolítico; Paxium.
Ciprofloxacina; antibiótico; Ciproxina, Nixin, Megaflox e uma catrefada de genéricos.
Cloroquina; antimalárico; Resochina; particularmente em terapias prolongadas.
Cloropromazina; antipsicóticos; Largactil, Largatrex.
Ibuprofeno; anti-inflamatório; Brufen, Trifene, Moment, Ozonol.
Imipramina; antidepressivo; Tofranil.
Lomefloxacina; antibiótico; Loransil, Uniquin, Monoquin.
Ácido Nalidíxico; antibiótico; Wintomilon.
Norfloxacina; antibiótico; Noroxin, Uroflox, Taflox.
Ofloxacina; antibiótico; Oflocet, Tarivid; Megasin.
Piroxicam; anti-inflamatório; Feldene, Flexar, Brexin, Reumoxican.
Tetraciclina; antibiótico; Ciclobiótico, Neociclina.
Trimetoprim; antibiótico; Bactrim forte, Septrin, manipulados.


E ainda, com menor expressão, alprazolam, amitriptilina, anestésicos locais, clorazepato, clorotiazida, eritromicina, furosamida, griseofulvina, haloperidol, lincomicina, naproxeno, contraceptivos orais, fenitoína, salicilatos, sulfonamidas, vitamina A.

Porque será que o S. Pedro não gosta dos trabalhadores? Bom tempo à semana e chuva e frio no fim de semana...

Peliteiro,   às  23:32
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sábado, 12 de julho de 2003

Por caso já assinei o cheque do pagamento especial por conta. Burro, devia ter feito uma manifestação em frente ao Ministério das Finanças e deixar entrar em ruptura os stocks (agora é estoques!) de Xanax e de Prozac; queria ver como era...
Quem não berra não mama, lá diz o povo, e com razão.

Peliteiro,   às  00:20
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sexta-feira, 11 de julho de 2003

Um anúncio de automóveis diz que não há verdadeiro luxo sem espaço.
Eu digo que não há verdadeira qualidade de vida sem tempo. Tempo livre, para se fazer o que nos der na real gana.
Nunca mais chega a reforma.

Peliteiro,   às  23:57
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terça-feira, 8 de julho de 2003

Infelizmente as gémeas siamesas Ladan e Laleh morreram. Várias equipas médicas tinham recusado tentar a separação. Eram raparigas de fé e coragem.
Fixei as imagens da sua esperança e os seus sorrisos e boa disposição. Cativavam simpatias facilmente.
Se calhar, o insucesso da intervenção está relacionado com imprevistos, aquilo a que chamamos: correu mal.
Esperemos que não tenha sido a ânsia de notoriedade de uma equipa cirurgica de um hospital de uma cidade, que numa atitude irresponsável tenha arriscado duas vidas num jogo de probabilidades reduzidas.
Não era a primeira vez que isto acontecia, e não será de certeza a última, sobretudo agora, numa altura em que a fama é um bem cada vez mais desejado.
Temos sempre a referência de Barnard que realizou o primeiro transplante cardíaco, se tornou famoso e nunca mais fez nada que não fosse proferir palestras e posar para o planeta. Ele sabia que o grande obstáculo era conseguir a imunossupressão, a técnica cirurgica era já dominada por várias equipas no mundo. E mesmo assim arriscou; e o doente morreu. Podia ter esperado um pouco mais, até que um farmacêutico da Sandoz tivesse desenvolvido a ciclosporina.
E muitos outros casos em que se abrilhantam currículos e se promovem clínicas e instituições hospitalares, como o da guerra dos prematuros, em que se tentam bater recordes – eu fiz 27 semanas, eu 25, eu 24 – esquecendo que as sequelas possíveis podem ser importantes e marcantes para toda uma vida.


Peliteiro,   às  23:51
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domingo, 6 de julho de 2003

E a memória é um dom maravilhoso, selectivo, apaga quase sempre os maus episódiosos e deixa-nos, apenas, os doces momentos do passado, burilados e depurados.
Lembrei-me a propósito de declamações nos tempos de estudante, das cantigas que eu cantava, numa voz de baixo tenor, ao ouvido das raparigas. O meu reportório começava com:

És linda, se foras feia,
mesmo assim eu te queria,
não é por ser lua cheia que a lua mais alumia, aiiiii....

E depois:

O meu desejo é dar-te um beijo,
é ter ensejo de te beijar,
perdidamente, como quem sente,
que o teu sorriso vai acabar...
O meu desejo é dar-te um beijo,
é ter ensejo de te beijar,
como quem ama do sol a chama,
como quem reza sempre a chorar

E ainda:

Um abracinho bem apertado,
para quem ama não é pecado.
Não é pecado, não é não não,
ora dá cá outro meu coração.
Mas um só é pouco, dois é conta certa,
ora dá cá outro, ora aperta aperta...

Enfim.

Peliteiro,   às  22:52
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E para que não se pense que neste espaço não há lugar para a poesia, recomendo o Cântico Negro do José Régio, aqui de Vila do Conde, que costumava declamar nos meus tempos de estudante:

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!


José Régio

Peliteiro,   às  22:37
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quinta-feira, 3 de julho de 2003

Ah como compreendo os transsexuais.
Nascem com sentir e atitude de mulher num corpo de homem; e vice-versa.
Compreendo-os porque padeço de um mal semelhante.
Ah como eu gostava de ter nascido Marquês, ou ir à ópera e ouvir dizerem-me: Sr. Comendador isto, Sr. Comendador aquilo. E de viver num mundo de glamour, oferecer às top-model aneis de diamantes, beber champagne e fumar Cohibas na minha limousine, vestir nos melhores costureiros, sapatos italianos, golf, aparecer na caras a almoçar no saloio e very tipical Gigi, ter um jacto e uma ilha, uma herdade com trinta puros lusitanos, casa de praia e de montanha e em Courchevel e em Paris e New York... Sei lá, nem sei bem o que tenho. E o meu escritório - onde nunca vou, aliás - ser imensamente, mas imensamente, melhor que a Penthouse da Segurança Social do Algarve, recheado com doze secretárias e quinze assessoras de mini-saia e wonderbra. Uma vida de diletante, interessar-me por arte, ser dono de uma colecção riquíssima, mas riquíssima mesmo, de pinturas, escrever as minhas memórias aos quarenta anos, fazer fotografia submarina nas caraíbas e caçar leões no Quénia. Tenha a bondade Sr. Presidente, faça o obséquio Sr. Governador.
Que vida a minha! Só gosto de coisas caras, quando gosto de alguma coisa e me apetece comprar, como por mau-olhado, é sempre caríssima! Uma vez em Veneza vi, numa loja, uns óculos, enchi-me de coragem, entrei, a menina diz: uma mole de milhões de "liri"; saí com o rabinho entre as pernas, optei por continuar de férias. Gosto da etiqueta Gant, mas já que não posso comprar o catálogo todo, não tenho nem uma peça.
E as pessoas confundem-me com um avarento, porque não me compreendem; já que não posso comprar o que gosto, não compro nada.
Não haverá nenhum procedimento cirúrgico ou, até, uma terapia génica para eu me transformar no grande Gatsby cá da minha terrra?

Peliteiro,   às  23:59
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quarta-feira, 2 de julho de 2003

Hoje fiz noite de urgência, 12 horas de plantão.
Correu bem, não levei nenhuma facada, nem me roubaram nada.
Ao todo, trabalhei 36 horas, com 3 horas de sono mal dormido, 3 refeições nojentas, e um chuveirinho rápido. Mais que um funcionário publico numa semana. Mais de metade do que ganhei foi para impostos, para esse grande monstro vicioso a que chamamos Estado, gastar mal gasto.
Também, chegamos ao período em que metade do país está de férias, e a outra metade está a atamancar o trabalho de dois. De todas as vezes que penso que tenho que acordar todos os dias às 7 da matina, até chegarem as férias, engulo 15 Prozac de uma só vez (Prozac sim, porque odeio genéricos).
De modo que, estou assim meio mal disposto, agoniado. A minha bílis invadiu a corrente sanguínea e esverdeou-me o facis; o suco gástrico impregnado de cafeína, por refluxo, azedou-me o hálito e o espírito; os níveis de serotonina desceram para níveis pré-comatosos; os sapatos parecem pesar uma arroba e as varizes explodem, como vulcões.
Vai daí resolvi fazer uma listagem de figuras pubicas que detesto, aqueles que quando vejo ou nomeio, me fazem eriçar os pelos das sobrancelhas. A ordem não é necessariamente correspondente ao asco, e provavelmente esquecerei alguns crápulas insignificantes. Depois completo.

Ferro Rodrigues;
Paulo Portas;
Luís Filipe Menezes;
Mário Soares, o filho, a filha e a mulher;
Raúl Solnado e a filha;
O filho de Jorge Sampaio e o próprio,
Marina Mota e João Baião;
João Pinto e o papagaio do SLB que nem me lembro do nome;
Emídio Rangel;
O Tallon;
Pimenta e Mesquita Machados;
Carlos Cruz;
Isaltino de Morais;
Alberto João Jardim;
Julio Isidro;
Berlusconni;
...

E agora, mais aliviado, vou dormir!

Peliteiro,   às  23:57
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