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domingo, 6 de janeiro de 2019

APJF

Há 30 anos fui um dos fundadores da Associação portuguesa dos jovens farmacêuticos.
Os nossos objectivos passavam pela valorização do papel do farmacêutico enquanto profissional de saúde, muito pela integração plena de jovens licenciados nas carreiras profissionais nas farmácias, nos hospitais, nas análises clínicas, na indústria farmacêuticas e outras.
Os cursos eram muito bons, teoricamente robustos, os licenciados saíam muito bem preparados mas o exercício profissional era decepcionante. Acreditávamos conseguir prestigiar a profissão e contribuir decisivamente para um país melhor.
Nessa altura havia poucos farmacêuticos a trabalhar efectivamente, a propriedade de farmácia estava muito nas mãos de comerciantes, a abertura de novas farmácias era impossível, o balcão das farmácias era ocupado principalmente por profissionais sem qualquer formação e na direcção técnica das farmácias usava-se muito a Dra. dona de casa que "dava o nome" e que aparecia uma vez por mês para assinar uns papéis. Nos outros sectores de actividade o panorama era equivalente.

O mundo e o país entretanto mudaram muito e a situação actual da profissão não se pode dissociar disso, mas tenho a sensação que a minha geração não contribuiu nada ou quase nada para a melhoria do papel do farmacêutico na sociedade dos nossos dias, consequentemente, nem para as condições de trabalho, remuneratórias e para o prestígio e reconhecimento social.
Há muitos farmacêuticos, demasiados, com qualificações heterogéneas.
A propriedade de farmácia permanece, cada vez mais, nas mãos de comerciantes, agora com a cobertura da lei, continua a ser impossível abrir novas farmácias, os farmacêuticos ocuparam o balcão das farmácias e as direcções técnicas são presenciais mas a autonomia técnica e científica é limitada e as funções são pouco valorizadas como se pode verificar pelos ordenados miseráveis e a precariedade laboral; as carreiras da função Pública só recentemente foram criadas mas por enquanto nada de novo trouxeram à realidade do exercício; continua a não haver directores técnicos farmacêuticos em laboratórios hospitalares e os farmacêuticos são relegados para segundo plano; nos laboratórios de análises clínicas de ambulatório quase já não há farmacêuticos com menos de 50 anos; não há praticamente indústria farmacêutica e onde há produção vêem-se muitos outros profissionais a competir com lugares de topo na hierarquia.

Enfim, os objectivos iniciais da APJF eram ambiciosos mas se fizermos uma leitura fria e desapaixonada foram rotundamente falhados e as expectativas, a possibilidade de realização profissional plena de um farmacêutico em 2019 é ainda menor que em 1988.
Pela minha parte, pelo meu contributo para a evolução da profissão, e pelos medíocres resultados obtidos peço desculpa aos actuais jovens Colegas.

4 comentários:

  1. Não tem que pedir desculpa.
    Fez o melhor que sabia.
    A culpa da situação vem de longe.
    Os poderes públicos nunca valorizaram os farmacêuticos e continuam a achar que uma licenciatura bem puxada nas 3 faculdades (Lisboa Porto e Coimbra)não merecem apoio nem reconhecimento.
    São vendedores de caixinhas , a aviar receitas sem acrescentar mais valias.
    Contudo alguma culpa cabe aos farmacêuticos donos de farmácias.
    O lucro acima de tudo.
    E quanto mais pessoal não classificado e humilde melhor, mais baratos ficam. Senão veja: entra-se numa farmácia e o que se vê? Montes de produtos com margens de 45%,algum sem qualidade. Para chegar ao balcão é necessário fazer gincana.
    Não há volta a dar. é o destino

    Josefo


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  2. Ainda bem que acordou para a realidade e percebeu que nos moldes actuais a profissão é uma anedota. Em tempos, quando lhe disse exactamente o que aqui diz, na sua arrogância, disse que o curso era excelente e que se uma pessoa não sabia tirar proveito do mesmo era devido à própria apatia... Enfim... Mais vale tarde do que nunca.

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  3. Olhe que não, a profissão é aquilo que o profissional faz com ela. Quanto à depreciação particular, deixo-lhe duas frases, uma de uma anedota brejeira: "Querias marisco, era?!" E outra da Agustina Bessa-Luis: "Não há nada mais ridículo do que um ser humano."

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    1. https://observador.pt/opiniao/validacao-farmaceutica-capricho-ou-saude-publica/

      Interessante, também, verificar opiniões passadas, com conhecimento de causa:

      "«Desde que o farmacêutico tem de ocupar-se menos da sua arte de manipular fórmulas do que do simples comércio de remédios que não preparou, os conhecimentos científicos adquiridos laboriosamente tornam-se uma inutilidade ridícula». O desabafo de Almeida Pinto, vertido em 1952 no n.º 78 do Boletim do Grémio Nacional das Farmácias, é filho da frustração de quem se sentia profissionalmente numa «situação deprimente e vexatória» [...] Quatro anos depois, quando outro antigo dirigente do Grémio Nacional das Farmácias, Silva Carvalho, abordou a evolução do sector – em artigo no Boletim n.º 93, de 1956, significativamente intitulado “Prestígio e decadência da farmácia” – aquele mercado encolhera para metade. Acertava, por isso, na muche, ao reconhecer que o farmacêutico se deixou ultrapassar, tornando-se mero intermediário entre o fabricante e o público, visto pelos utentes «como um “semi caixeiro” de fazendas manufacturadas». "

      O senhor anónimo é, claramente, um exemplo do que afirma. A brejeirice denuncia a sua condição, razão pela qual retribuo:
      " O que tu queres sei eu!"

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